Anjos de Prata

E eis que ressurgi das cinzas e voltei pros Anjos de Prata.
E o texto é este:


C10H160:O CHEIRO CÂNFORA DA SAUDADE
Elaine Grava


Da mania de tamborilar os dedos suados na escrivaninha, ela tinha saudade. Daquele vaievém de palavras rebuscadas, daquela quase erudição, daquele discurso pseudo-filosófico. Do copo d'água quase sempre pela metade, denunciando que nada nunca estava a contento, de bom tamanho, no ponto exato. Daquele cheiro verde-cânfora que saía dos pés, já que ele usava sprays vários para conter o cheiro fétido, vulgo chulé. Nhé. E aquela mania de se limpar a todo momento. E de cheirar muito bem, limpíssimo, aquela coisa meio lavanda demais, pouco máscula, aquela ausência do cheiro de homem. Ela tinha saudade. E punha um vinil muito antigo na vitrola em manhãs de sábado, coisa absolutamente solitária. E se desarrumava no tapete um pouco sujo, contorcendo o corpo, revirando a mente, digerindo a falta. Não conseguindo. Vomitando-a. Rô Rô cantava tão bonito aquela coisa meio assim 'já pus de lado o tormento ... delirantes formas de amar'.
Incensos. Barbitúricos. O cheiro da química que lembrava álcool que lembrava limpo que lembrava ele. Merda. E aquela falta do caralho. É, mesmo fraquinho, mesmo satisfazendo-a vezenquando, com muito estímulo da parte dela.
Cheirinho de cânfora depois do amor, já que faziam aquele meia-nove e os pés dele ficavam pertinho das narinas dela. Raspas e restos, aquela coisa meio Cazuza. Blé.
Ia até o guarda-roupa e via aquelas camisas impecavelmente estendidas nos cabides de arame. Quase todas brancas. No máximo beges. Bem sem graça, bem água morna, bem tom pastel.
Aquele pescoço abotoadíssimo, sem pêlo algum à mostra. Nada nunca à mostra, aliás. Nem chulés, nem cheiro nenhum. Nada. Nada de cheiros, de manifestações efusivas, de riso alto e bom, de choro esganado. Uma coisinha murcha, quase apagada, quase nada. Exatamente isso: um quase nada. A não ser nas palavras, no excesso. Era um tanto prolixo. E só. Um amontoadozinho de palavras. E uma quase erudição.
Ele, tão repugnante, ela pensava. Uma coisinha insossa e feia e amorfa. E ela completamente febres, ardendo sua falta. "Bendita seja a mediocridade e a miséria nossa de cada dia". Escreveu numa cartolina vermelha, grudou na porta de entrada e nunca mais saiu do apê.

E para quem quiser visitar o site, vá em www.anjosdeprata.com.br
Para ver os meus textos anteriores, vá na letra E.
E para ver os meus textos sob o psedônimo Olívia, vá na letra O. Dã!
Bastante vaidosa eu, não?

10 comentários:

Anônimo disse...

Pra tirar o cabaço de comentários desse texto!

Gisalina disse...

Gosto dos seus textos porque mesmo quando perdem a elegância (bem característica) não esbarram na vulgaridade. Entende?
E isso não é fácil, senhorita.

Gisalina disse...

Das coisas que tu escreve, ora frô.

Anônimo disse...

que delícia rever essas letras, que saudades dessas palavras, que deleite... e o amadurecimento, fruta no ponto... e aplausos sempre e cada vez mais...

Silver disse...

Como sempre fascinantes os seus escritos.
Beijos

Gisalina disse...

Sempre esqueço de perguntar:
Why Olívia? Sempre que leio penso em alguma heroína romântica...

Gisalina disse...

Ressurgiu das cinzas mas voltou rapidim, né?
Coisa.

Anônimo disse...

Será o benedito, Elaine? ou eu só ligo nas horas impróprias?
eu, saindo do ostracismo

Anônimo disse...

Mas quem é ?

Anônimo disse...

Sou eu!!!
Mentira, não sou eu, eu sou eu agora, mas não sou eu no recado anterior!
Só pra fazer gracinha ...

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