O meu pai é bonito. Bem bonito.
Ele tem os olhos mais azuis que eu já vi, e, se eu fosse uma criança, olharia pra ele como quem olha para um artista de cinema.
O meu pai tem repentes de amabilidade,
e tem repentes de estupidez,
e ele troca de carro com a mesma tranqüilidade com que caminha pela cidade às 5 da manhã, sentindo a brisa primeira.
O meu pai me ensinou a estralar os dedos: os meus e os dele. Hoje em dia eu já sou uma mulher e não estralo mais os meus, pois aprendi ao longo da vida que eles engrossam se eu o fizer. Mas eu estralo os dele, que ele me deixa,
que ele me põe no colo,
que ele me vê criança.
O meu pai foi o primeiro homem a acreditar em mim,
e foi o primeiro homem que fez com que eu mesma acreditasse. Em mim. E na bicicleta. E nas rodinhas. E que eu podia.
Então que ele todos os dias erguia um pouco mais as rodinhas da bicicleta, e então que o fazia sem que eu notasse,
sem que eu sentisse,
sem que amedrontasse, desta forma.
E então um dia ele me pediu pra eu olhar pras rodinhas,
e o primeiro momento de alegria suprema aconteceu dentro de mim,
e me vi voando. Sem rodinhas.
O meu pai me ensinou a tomar cachaça,
que ele chegava do trabalho na noite alta, e molhava o bico. E eu aprendi a sentir o cheiro, e molhar o dedo, e molhar os lábios e lamber a língua.
O meu pai me ensinou a comer pimenta.
E me ensinou a ouvir música,
a virar cambote,
a observar o sublime,
o simples,
o essencial.
Mas o meu pai, ele não sabe que me ensinou.
O meu pai me ensinou a ver filmes,
me ensinou a rir do banal,
e com ele eu me sinto novamente uma criança.
Que eu ainda sou uma criança, mas pouca gente sabe,
e pouca gente conhece,
e pouca gente vai conhecer,
porque pouca gente vem mais fundo.
Porque algumas coisas são feitas pra poucos.
E o meu pai é pra poucos.
E o meu pai ri de todas as minhas piadas,
e ele consegue de mim o que quiser,
porque ele tem aqueles olhos lindos apertadinhos
e aquele sorriso
e aquele sossego
e aquela falta de jeito toda,
e isso tudo faz com que eu seja apaixonada por ele.
O meu pai é aquariano. O meu pai gosta do ABBA.
O meu pai é cinéfilo.
O meu pai é passional.
E eu acho que eu sou o meu pai, de saias.
O meu pai me acha parecida com a Letícia Spiller.
E eu amo o meu pai, que me enxerga de um jeito único.
E que reinventa a vida,
o mundo,
e as pessoas todas.
E que se reinventa todos os dias.
E sim,
eu sou o meu pai de saias.
Sobre ele. E para ele.
Postado por A Libélula
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3 comentários:
sim, flor, vc é seu pai de saias. São muito parecidos mesmo, pelo menos fisicamente. E vc já disse que em outros pontos tb.
beijos
Eu também gosto dos Abba
kkkkkkkkkkkkk
Já reparou como a música deles é completamente gay?
kkkkkkkkkkkkk
:*
Lis
... e o céu dos olhos dele devem ter chovido quando leram isto! Leram?
beijo procê
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