Todo mundo sempre me pergunta - "mas por que teatro?"
Não é muito simples responder a uma pergunta como essa.
Eu não sei ao certo.
Nasci assim, querendo subir em qualquer tabladinho que encontrasse.
Da mais tenra idade, me lembro apenas que usava uma escova velha de cabelo como microfone, me aprumava com toda a a parafernália que encontrasse e me trancava no quarto, onde, em frente ao espelho de uma penteadeira antiga também, eu me tornava onipotente - eu me tornava qualquer pessoa que desejasse.
A consciência plena de que era isso que eu queria pra minha vida veio muito mais tarde, depois de algumas encenações em escolas, igreja, quermesse ou ainda, festinhas de aniversário na casa de quem quer que fosse.
De pronto, eu não sabia exatamente porque é que o teatro me assombrava tanto, no melhor sentido da palavra. Me espantava a ribalta, a rotunda, o abrir e fechar de cortinas, a luz descendo em fade in.
Depois de um tempo, em cena mesmo, é que me dei conta do quanto era transformador, do poder absoluto que eu tinha nas mãos - eu tinha o poder de vida e morte sobre a platéia. O teatro faz isso com a gente - ele ressucita emoções, as mais recônditas, aquelas nas quais a gente não quer mexer - ele nos coloca questões, eles nos faz sentir vitoriosos ou medíocres - a chamada catarse.
Em cena descobri que tenho tudo dentro de mim, que o mundo e as pessoas não são maniqueístas, que nada pode ser tão simplista assim, apenas dois lados, ou o bem ou o mal.
Descobri que me renovo a cada leitura de mesa, ou a cada mergulho em personas (todas minhas, claro, mas nem sempre exploradas - as mais terríveis ficam submersas, quase intocáveis) e assim, me renovando, me movimentando dentro do meu mundo, sacudindo minha mente, tirando o pó de tudo o que está cristalizado em mim - valores, idéias, ideais - assim, dessa maneira, eu transformo o outro também, porque mudo o jeito de ver, a forma de me comportar diante dos fatos, emoções, relações. Se eu mudo o outro muda, isso é tão incrível.
Gostaria de escrever de forma menos arrebatada e apaixonada sobre meu ofício, mas não consigo, não sou ponderada, sou mesmo um redemoinho de coisas, sou uma alucinada pelo fazer teatral, pela inacreditável força política, social, por ampliar pontos de vista - de Brecht a Ibsen, de Vianinha a Martins Penna. Alguns extremamente engajados, outros se utilizando de requintes psicológicos, outros ainda farsescos, mas todos eles, à sua maneira, trouxeram uma nova forma de perceber o mundo.
Talvez seja esse o meu mais doce pecado - a vaidade de trasformar o outro. Mesmo que apenas um, de uma platéia de cem, saia modificado.
Pra este, eu deixei parte do meu legado.
Do fazer teatral
Postado por A Libélula
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3 comentários:
Uma vez uma orientadora me disse que essa pergunta ("mas por que teatro?") Era quase impossivel de se responder. Eu até hoje me questiono. ("Será que eu não poderia ser uma pessoa mais comum?") mais a cada sábado e a cada domingo eu descubro que nasci pra isso, mesmo que não venha a ser um dos melhores exemplares da coleção.
Elayne, te faço um pedido; se um dia você saber ao certo como responder essa pergunta, me diga.
Quem sabe se você desacobrir eu não descubra também.
já me fiz também diversos questionamentos como este, e tiro o chapéu para você que pôde descrever com paixão e maestria sobre esta maravilhosa arte nos conecta.
beijos.
e vc faz tão bem, sabe?? mas a sua fotógrafa particular é suspeita demais pra falar isso.
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